sábado, 9 de fevereiro de 2008

Impressões


De todos os lugares onde estivemos, sem dúvida o que mais mexeu comigo foi Torres Del Paine. Os dias lá representarem menos de 1/3 da viagem completa, mas quase todas as memórias que tenho são de lá.

A paisagem não é apenas exuberante, ela chega a ser quase ameaçadora. A imponência das montanhas, os lagos, cada um com a sua cor, verdes, azuis claros, azuis turquesa, e o vento... ah, aquele vento! Juro que as vezes você quase pode ver o danado, porque ouvi-lo, voce pode o tempo todo! Tudo é tão vivo que parece que não é só voce quem observa a natureza, parece que ela te observa também.

Partilhei esta aventura com pessoas muito especiais e isto tornou a experiência mais gratificante ainda. Muitas vezes caminhávamos horas em silêncio, as vezes por causa do cansaço outras em transe, hipnotizados pela beleza ao nosso redor. Sofremos um bocado por falta de experiência, carregamos muito peso e reservamos pouco tempo para a empreitada, porém se tivesse que fazer tudo de novo, não tenho dúvida que faria tudo exatamente igual !

Dicas de Viagem

El Calafate

  • Hospedagem na: Hosteria Puerto San Julián, por US$76 (diária do casal), tivemos ótimas acomodações e todo o apoio para compra das passagens rodoviárias, passeios e também reserva de hotel em El Chalten.

El Chalten.

  • Hospedagem na: Hosteria Fitz Roy Inn., por US$49 (diária casal) Espartano mas bastante confortável e hospitaleiro.

Puerto Natales

  • Casa Cecília: Hospedagem, aluguel de equipamentos, compra de passagens, informações, dicas, ... Tudo muito profissional.
    Na hospedaria os banheiros são coletivos, mas tudo é tão limpo e arrumado que dificilmente você vai ficar melhor instalado em outro lugar da cidade.
  • Restaurante LA PICADA DE CARLITOS – Calle Blanca Encalada, 444. Comida muita boa e barata (incrível mas é verdade). Com um pouco de sorte você é atendido pelo próprio Carlitos (chileno gente boa).
  • Em Puerto Natales dá para fazer as ultimas compras do que falta para a aventura de Torres Del Paine, mas não espere muita coisa. A cidade é pequena e as opções são limitadas.

Torres Del Paine

  • Levar nas mochilas apenas o absolutamente necessário. O peso castiga muito!
  • Se você pensa que esta condicionado para fazer o circuito W em quatro dias, e que vai ser fácil, te garanto que você não está preparado. Treine um pouco mais!
  • Se puder, reserve mais tempo p/ ficar um dia a mais em alguns refúgios p/ explorar melhor as redondezas, principalmente o refúgios Chileno e Gray.
  • Refúgio Paine Grande: fuja dele! Tente ficar o mínimo tempo possível, e se possível só passe e de as costas, o lugar é o pior estilo turistão que já vi.
  • Anorak ou similar p/ cortar o vento é imprescindível.
  • Botas impermeáveis ajudam muito na hora de atravessar pequenas corredeiras e áreas de brejo. Se chover então nem se fala!

Buenos Aires

  • O centro cultural Borges, na Calle Florida, tem ótimas opções culturais e lá tivemos a oportunidade de ver um genuíno espetáculo de tango por meros 30 pesos.
  • Na Recoleta encontramos as melhores opções para noite, restaurantes, bares... p/ todos os gostos, tem até Mac Donald. :)
  • La Bombonera, p/ quem gosta de futebol, absolutamente imperdível. Se conseguir conciliar sua adenda para assistir a uma partida de futebol, melhor ainda!

Buenos Aires e o fim da viagem


Buenos Aires em janeiro é muito diferente da cidade que conheci dois anos atrás em pleno inverno de agosto. Repleta de turistas p/ todo lado e o calor é mesmo insuportável. Minha primeira investida na cidade foi procurar a tão famosa Calle Florida de Borges. Em minha mente, imaginei encontrar uma rua cheia de arvores, mulheres elegantes caminhando pelas calçadas enquanto ouviam elegantes galanteios dos cavalheiros que as cortejavam, e porque não, muitas flores. Que ironia! Encontrei um grande calçadão repleto de lojas de todos os tipos, e muita gente: vagabundos, trombadinhas, turistas, mendigos, prostitutas, marginais, vigaristas, policiais, trabalhadores, profetas, todos se acotovelando e correndo de um lado para o outro se sabe lá para onde. Igualzinho ao centro de São Paulo, de Porto Alegre, de Salvador, de Santiago do Chile... Deus não fez dois lagos iguais, mas o homem faz todos os prédios, todas as ruas, e todas as cidades exatamente iguais.

Buenos Aires tem seu charme sim, conserva uma arquitetura antiga riquíssima, e tem muitas opções de lazer, mas me perdoem os amantes de Buenos Aires, ao recém chegar da Patagônia é realmente difícil enaltecer qualquer qualidade desta cidade, seja lá qual for. Depois de três dias e meio em Buenos Aires, em 19 de janeiro estávamos no caminho de volta para casa. No aeroporto, após longa espera decolamos e ainda sob a luz do dia e fui brindado com uma ultima visão de cidade agora bem do alto. Do alto nem parece tão grande, tão barulhenta, tão quente no verão. Uma ultima visão da cidade me fez pensar em quanto tempo, e quantos acontecimentos me separam de um regresso a Patagônia, a Buenos Aires, e acima de tudo se este regresso existira.

As férias acabaram e a partir de uma vaga idéia sobre o que seria a Patagônia, volto para casa cheio de lembranças sobre experiências que não me deixaram jamais. Viajar para alguns não passa de uma importantíssima fonte de renda para os que exploram o turismo, mas por outro lado tem também seu lado poético e humano. Viajar liberta a mente e te faz refletir sobre uma porção de coisas, alimenta a alma de alguns pobres que buscam algo mais da vida, mesmo que eles ainda não saibam o que buscam.

El Calafate - Glaciar Perito Moreno

Chegamos a El Calafate numa tarde de quinta-feira, 16 de janeiro, e naquele dia pouco restou para se fazer além de comer e beber até o sol se por (lá pelas 23h00). El Calafate esta em uma grande planície e bem e ao lado de uma gigante parede de pedras, o que dá um charme muito especial à cidade, mas a cidade em cidade em si nada tem de diferente de várias outras pequenas cidades turísticas. Uma rua principal cheia de carros nervosos, lojas de suvenir, restaurantes, bares, cafés, caixas eletrônicos (é lógico), tudo muito caro e pouco original, e repleto de turistas que andam como zumbis de lá para cá sem saber bem o que estão procurando.

A grande atração da cidade é sem duvida nenhuma o grande Glaciar Perito Moreno e foi p/ lá que seguimos na manhã do dia seguinte. Lá pelas 8h00 uma van nos apanhou na pousada e seguimos parando de porta em porta de pousadas e hotéis até chegar ao parque Perito Moreno. Um passeio bem “turistão”, mas apenas a visão de Perito Moreno já compensa qualquer sacrifício. Trocamos a van por um ônibus e em certa altura o ônibus por um barco para chegar relativamente próximos das paredes do glaciar. Descemos na outra margem do rio para colocarmos grampones (garras de ferro) sob os sapatos e partimos sobre o gelo para uma caminhada de 1 hora sob um lindo dia de sol. O esforço da caminhada não é tão grande e a sensação de estar sobre aquela imensidão de gelo e indescritível. Apesar do sol quando olhávamos em direção ao centro do glaciar era possível ver muita nebulosidade e minha impressão era que naquele exato momento nevava sobre o glaciar um pouco mais adiante.

Depois da caminhada voltamos para a outra margem do rio para nos juntarmos aos muitos outros turistas na torcida por um grande desabamento de gelo. A visão daquelas grandes placas de gelo se desprendendo e caindo sobre o lago é fascinante somado ao barulho que produzem. Tudo isto aconteceu durante um dia inteiro, e quando eu ainda queria ficar por ali um pouquinho mais me dei conta que o dia já estava terminando e que precisávamos voltar. Fim do dia, quase fim das férias, passamos por El Calafate para nosso último jantar na Patagônia.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Torres Del Paine – 5o dia – despedida.

Acordamos cedo naquela manhã de 14 de janeiro, desarmamos tudo e esperamos pelo barco que nos conduziria pelo LAGO PEOHE até PUDETO. Subi no andar de cima do barco, apesar do frio e do vento na cara eu precisa olhar para tudo aquilo uma ultima vez. Que tristeza não ter a mínima certeza de que um dia voltarei a colocar os pés ali. Dali algumas poucas horas Torres Del Paine seria somente mais uma entre tantas lembranças que carrego comigo.

Em Puerto Natales, a primeira coisa que fizemos foi devolver o equipamento de camping para nos livrar de todo aquele peso e procurar um bom restaurante p/ fazer uma refeição digna de quem acabava de voltar de Torres Del Paine. Fomos para La Picada de Carlitos (Calle Blanco Encalado, 444), uma ótima cozinha por preços que qualquer brasileiro beneficiado pelo cambio pode pagar. :)

Torres Del Paine – 4o dia – Glaciar Gray

Ah, como é bom caminhar sem peso nas costas, somente uma pequena mochila de ataque com as câmeras fotográficas e mais algumas tranqueiras. Deixamos as barracas e todo o resto da bagagem no camping e partimos numa caminhada para fazer o famoso “bate e volta” até refúgio Gray.

Quase todo o trajeto foi de subida leve repleto de bosques floridos sempre margeando o LAGO GRAY. Depois de poucas horas já foi possível ver vários pedaços de gelo flutuando pelo lago, e um pouco mais adiante uma elevação rochosa dava uma excelente visão de quase todo glaciar.

Estávamos ainda no meio do dia então apertamos o passo para chegar logo ao refugio Gray, e quando chegamos passamos por ele para caminhar mais ½ hora e chegar de cara ao Glaciar. Era uma visão espetacular, entre nós e o glaciar havia o lago Gray e bem no meio deste era possível ver uma embarcação que naquela imensidão de gelo, água, céu, e tudo mais, parecia bem pequeno. Ao voltar passamos pelo refugio conhecer e aproveitamos p/ tomar uma cerveja. O lugar é tão bonito que por quase todo caminho de volta ficamos fazendo planos sobre a próxima viagem a Torres Del Paine, que obrigatoriamente teremos de incluir um tempo de hospedagem no Gray. Este na verdade era meu plano original, que infelizmente teve de mudar quando descobri que nem todos meios de transporte na Patagônia estão a minha disposição.

Chegamos de volta ao PAINE GRANDE ainda em tempo para o jantar e assim pudemos apenas confirmar a minha péssima impressão do local. PAINE GRANDE faz bem o gênero “turistão” do toma lá da cá, e é uma grande pena um lugar tão bonito e com astral tão legal reservar um espaço para este tipo de turismo. Pelo que entendi este refugio serve de base para os turistas que não estão dispostos a fazer as longas caminhadas, então chegam até ali de barco e exploram apenas as redondezas. É certo que assim como eu, todas estas pessoas tem o mesmo direito de conhecer Torres Del Paine da maneira que quiserem, mas da próxima vez que voltar lá cuidarei para ficar bem longe delas.

Torres Del Paine – 3o dia – de Los Cuenos até Paine Grande

Na manhã do dia 12 de janeiro tomamos nosso café da manhã, e depois deste tivemos de aguardar por quase uma hora dentro da barraca até que a forte garoa e o vento dessem uma trégua para podermos então desarmamos as barracas. Por volta de 9h30 já estávamos com as mochilas nas costas a caminho do Camping Italiano.

Neste dia a trilha nos parecia ainda mais desafiadora e cheia de subidas, somado ao fato de que estávamos preocupados em conseguir chegar ao refúgio PAINE GRANDE antes do anoitecer. Já tínhamos percebido neste ponto que nosso ritmo era lento demais para conseguir cumprir as previsões contidas em todos os mapas e placas que consultávamos. Para cada hora de caminhada prevista no mapa gastávamos em torno de 1h20. Não sei se isto se deve a falta de preparo físico de todos ou simplesmente pelas constantes paradas p/ tirar fotos e apreciar a paisagem, mas confesso que em determinados pontos a beleza era tenta que eu me recusava a acelerar o passo porque não queria deixar tudo aquilo p/ traz. Então no nosso ritmo seguimos em frente, e já nas proximidades do camping ITALIANO minha mulher confidenciou seus planos para fazer uma parada p/ o almoço, comer uma boa massa e só depois retomar a trilha. Pobre coitada, mal sabia o que a esperava no camping ITALIANO.

Chegamos ao camping Italiano lá pelas 13h30, todos procurando por um canto qualquer para jogar as mochilas e se esparramar. Como uma cidade que é construída na beira da estrada, as barracas do camping ITALIANO são armadas bem na beirada da trilha que passa bem pelo meio do camping. Toda área é bem protegida por grandes arvores, e no centro a casa dos guarda parques parece impor certo respeito ao local. Ao lado do guarda parques uma pequena cobertura sobre o chão de terra e vários tocos de madeira é utilizada por alguns como área de refeições, e bem ao lado uma placo solicita aos campista que enterrem suas fezes assim como os gatos. Então dá para notas que as condições deste camping são precárias, mas quem fica por ali não esta nada preocupado com isto.

Ao lado deste camping um grande rio faz um enorme barulho devido ao grande volume de água que traz do glaciar Francês. Tratei de encher nossas garrafas com água do rio enquanto minha mão quase congelava, e depois constatei na garrafa que a coloração da água era meio leitosa, mas ao beber e seu sabor era de água mineral. Uma pequena ponte atravessa sobre este rio e bem ao meio da ponte se pode ver Glaciar Francês em meio a várias montanhas. Foi uma visão fantástica olhar para cima para ver uma grande glaciar entre várias montanhas e cercado por muita neve enquanto tapava os olhos do sol para poder enxergar. Ah, como eu queria seguir aquela trilha em direção ao glaciar e deixar de lado todo o resto do meu roteiro de férias, como também esquecer do dia de voltar ao trabalho. Acho que me senti como o Ulisses quando estava amarrado ao navio para não se jogar ao mar em busca das sereias.

Seguindo pela trilha, alguns minutos depois vireime para trás e pude ver as Torres Del Paine e tive uma grande surpresa. As torres estavam totalmente descobertas de nuvens e totalmente iluminadas pela luz do sol, o que lhe dava uma coloração marrom claro muito incomum. Do ângulo que eu olhava tinha-se a impressão de que aquela imensa torre não passava de uma rocha única que se ergue do chão até um pouco mais de 2000 mt. Que visão! Depois disto ficou ainda mais difícil dar as costas e seguir a caminhada.

Na medida em que avançamos a trilha ficava cada vez mais fácil, cheio de pontes sobre as áreas de brejo até o ponto de passar por alguns trabalhadores que aparavam o mato ao redor da trilha (imaginem que absurdo!). Assim como a trilha se tornava cada vez mais fácil, o perfil do pessoal que encontrávamos pela trilha também mudava. As pessoas estavam mais produzidos com roupas de grife combinando e até algumas mulheres muito perfumadas no meio de todo aquele mato, isto dava um nó em na minha cabeça. Até muito pouco tempo atrás todos que encontrávamos pelas trilhas pareciam completamente envolvidos com a clima zen e alternativo do lugar, enquanto que agora estávamos na direção de turistas arrumados e equipados com toda parafernália tecnológica que viram nos anúncios da TV ou das incríveis revistas de aventura disponíveis em todas as bancas de jornal mais decoladas. Aquilo para mim era um grande choque, pois acho que no fundo eu temia ser mais um daqueles babacas materialistas apegado aos confortos do homem moderno, o que eu queria mesmo era ser da turma que dorme no meio do mato, e que passa fome e frio só pelo simples prazer de poder ver um magnífico por do sol sobre as Torres Del Paine ou uma revoada de pássaros sobre o lago NORDENSKJOLD. Mas meu destino estava bem na minha frente e isto eu não podia negar.

Cada vez mais próximos da civilização marchamos em sua direção acelerando o passo o quanto fosse possível, pois o que tinha de melhor de toda aquela trilha parecia que já tinha ficado bem para traz. Chegou um momento que o tempo virou e a chuva começou a cair ao mesmo tempo em que eu me sentia completamente desorientado a respeito da distancia que já tinha percorrido e quanto ainda faltava para chegar ao refugio PAINE GRANDE, foi quando vi um pequeno grupo de garotas e preparei meu espanhol, inglês, portunhol, mímica, enfim o diabo que fosse preciso para conseguir alguma informação.

Então passaram por nós quatro lindas garotas, acho que tinham entre 15 e 17 anos, todas com mochilas enormes nas costas, acho que nenhuma mochila era menor que a minha, somado a um lindo sorriso no rosto de todas marchando decididas. Aquela cena me congelou e não consegui falar nada, fiquei olhando para elas enquanto passavam por mim e depois seguiam em direção ao centro do parque para o que deveria ser no mínimo 3 horas de caminhada para se chegar ao camping mais próximo (ITALIANO) no momento em que o sol já começava a se por e a chuva apertava. Me senti um grande “bundão”.

Apertamos o passo p/ fugir da chuva e conseguimos chegar ao refugio um pouco antes de nos encharcarmos. PAINE GRANDE não tem absolutamente nenhuma semelhança com os outros refúgios por onde passamos, tem no centro uma grande construção que abriga refeitório, bar, loja de conveniências, quartos (em que se alugam camas) e ao fundo uma grande área de camping. Tudo muito bonito e bem arrumado, mas repleto de turistas estúpidos e mal educados, de todos os lugares do mundo. Os funcionários também não ficam atrás, deixam muito claro o tempo todo que não gostam de estar ali, e que tudo que fazem é para cumprir ordens. Que lugar horrível! Acho que PAINE GRANDE é sem duvida o pior de Torres Del Paine.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Torres Del Paine - 2o dia - do Chileno ao Los Cuenos

Apesar deste relado cheio de empolgação que faço agora é preciso confessar que nem tudo foram flores nesta aventura. Na manhã do dia 11 de janeiro, durante nosso café da manhã foi preciso reavaliar nossos planos, pois a dificuldade que encontramos no trilha do dia anterior somado a todo o peso que carregávamos e ao tempo disponível para fazermos todo o circuito W nos preocupava, e eu já não tinha muita noção sobre o que iríamos encontrar pelo resto do caminho. Tínhamos duas alternativas: abandonar a trilha ou agüentar o tranco e seguir em frente. Obviamente prevaleceu a segunda opção, e penso hoje que foi a melhor para todos nós.

Barracas desarmadas e mochilas nas costas descemos então a primeira perna do W e nos colocamos a caminho do Refúgio LOS CUERNOS. Todos nós tínhamos consciência de que o esforço do dia anterior tinha sido somente uma pequena amostra do que íamos encontrar pela frente, mas mesmo assim, seguimos rapidamente p/ afastar a possibilidade de desistir. Cada passo na direção do LOS CUERNOS nos colocava mais próximo da perna de saída do circuito W e mais distantes do portão de entrada. Logo no começo daquele dia indaguei um sueco que vinha chegando do LOS CUERNOS sobre as condições da trilha que tínhamos pela frente, e ele me disse: Easy! Tudo pampa. Como fomos ingênuos em achar que o que era fácil para um sueco poderia ser fácil também para nós.

Mas estávamos animados, o dia era muito bonito, o sol brilhava e a geografia dos lugares por onde passamos nos protegeu do vento quase que o dia todo. Bem no meio do caminho demos de cara com o gigante lago NORDENSKJOLD, e este nos deixou tão eufóricos que por algum tempo até nos esquecemos do peso das mochilas e do cansaço. Paramos as margens deste lago várias vezes p/ tomar aguar, tirar fotos, ou somente p/ ficar olhando p/ tudo aquilo. Nem mesmo as fotos da National Geografic são capazes de transmitir beleza deste local, é preciso mesmo ver ao vivo.

Este foi mesmo um dia e tanto! Mas à medida que seguíamos em frente nossas forças iam ficando pelo caminho, tanto que ao final do dia chegou junto com o cansaço uma sucessão de subidas que pareciam não ter fim. Ao final de cada subida, e depois de cada curva, tínhamos a expectativa de avistar o refúgio LOS CUERNOS, mas este parecia não chegar nunca. Enfim num determinado ponto a trilha se abriu em duas e bem no meio uma placa indicava uma direção para cavalos e a outra para pessoas. Optei pela que me pareceu mais fácil: pessoas, mas alguns metros depois me deparei com uma descida tão acentuada que em alguns pontos quase me coloquei de quatro para me arrastar com a mochila nas costas. Fiquei imaginando se não deveria ter optado pelo caminho dos cavalos. :)

Chegando ao LOS CUERNOS armamos as barracas e depois de uma longa ducha quente (prática ecologicamente muito incorreta, eu sei), tivemos um jantar recompensador. Novamente de frente para uma enorme janela de vidro por onde se podia ver a beleza de toda região, comemos carne assada com purê de batatas acompanhado do Merlot e Carbenet Sauvignon da pequena adega que carregávamos nas mochilas. Sim, nos somos insanos! Reclamamos do peso o tempo todo e ainda assim carregamos vinhos na bagagem. :)

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Enfim, Torres Del Paine

Quase duas semanas depois de sair de Torres Del Paine ainda tenho sonhos que me levam de volta p/ lá. O que pudemos ver no curto período de tempo do pouco que exploramos do local foram belezas naturais de tirar o fôlego.

Depois de alguns contratempos com a empresa que nos transportou de Puerto Natales até o parque (tudo resolvido com muita habilidade e responsabilidade pelo pessoal da Casa Cecília), estávamos a caminho do ponto alto de nossa viagem. Ao sair de Puerto Natales o dia estava nebuloso e caia uma forte garoa que me deixou um pouco preocupado, mas conforme nos aproximamos do destino o tempo foi abrindo até que tivemos uma bela e ensolarada tarde de segunda-feira.

Passamos pelos guarda-parques no portão de entrada em LAGUNA AMARGA, e logo após pagar a entrada e receber os mapas ficamos olhando p/ todas as direções e nos perguntando: e agora? A idéia era começar a caminhada logo de LAGUNA AMARGA, mas resolvi “roubar” um pedacinho da caminhada. Empurrei minha turma toda p/ um pequeno microônibus que nos levou, numa viagem de poucos minutos, até as proximidades do refúgio LAS TORRES. Ali nossa primeira decisão: acampar no LAS TORRES ou subir até o CHILENO. Como neste dia não tínhamos caminhado nada até então resolvemos esticar até o CHILENO.

A caminhada do LAS TORRES até o CHILENO não me pareceu muito longa, mas confesso que a dificuldade foi um pouco maior do que a esperada. A trilha entre estes dois refúgios é formada por uma íngreme subida cuja trilha depois se estreita para contornar perigosamente um grande penhasco. Mais ou menos no meio do caminho alcançamos o ponto mais alto (+/- 1500 m), onde o vento era tanto que eu mal podia me equilibrar em pé. A possibilidade de uma queda nesta estreita trilha, com 20 kg de bagagem nas costas e ao lado do penhasco, era realmente assustadora. Foi já neste ponto que percebi mais um erro no planejamento da aventura: permitir que todos nós tivéssemos tanto peso nas costas, mas neste ponto já era tarde demais p/ fazer qualquer coisa a respeito.

A vista durante esta trilha era cinematográfica, e logo depois de começar a descida foi possível avistar o pequeno refúgio CHILENO, que estava ao lado de um riacho e cercado pelas imensas paredes das montanhas, e bem próximo dos telhados do refugio havia um poste de ferro e em seu topo um cata-vento que não parava de girar. Todo o refugio não passava de uma casa não muito grande, com vários quartos e dois banheiros coletivos que servem tanto para o pessoal que acampa como também o pessoal que aluga uma das camas do refúgio, além de um refeitório muito bem servido por uma lareira que torna o ambiente mais aconchegante (considerando as precárias condições do local).

Se por um lado era desolador as condições precárias do local, por outro o que eu pude perceber foi um ambiente extremamente alegre e acolhedor. Tratamos de armar as barracas o mais rápido que pudemos, e em seguida minha mulher e eu nos instalamos na melhor mesa do refeitório para apreciar nosso jantar: Merlot Concho Y Toro de caixinha acompanhado de queijo, salame e torradas, tudo comprado no supermercado de Puerto Natales.

De frente a nossa mesa através de uma enorme janela de vidro foi possível ver uma das mais belas paisagens de minha vida. Era por volta de 22h00 e havia muito pouca luz do sol ao redor, mas ao olhar para o alto era possível ver a ponta de Torres Del Paine iluminada pelo que ainda restava do sol. Estávamos realmente muito próximos da base destas torres, então ali ficamos, minha mulher e eu, quase que paralisados diante daquela vista espetacular sem dizer nada por alguns minutos, como se qualquer suspiro pudesse atrapalhar aquele momento mágico.

Ainda nesta altura do dia foi possível ver algumas pessoas que retornavam ao refúgio, trazidas por trilhas que vinham de uma direção totalmente oposta da que chegamos. Estas pessoas vinham dos acampamentos JAPONES e TORRES eu presumo, que ficam ainda mais próximos da base das torres. Não sei dizer sobre a dificuldade deste trecho de trilha, mas fiquei realmente tentando a me aprofundar ainda mais p/ o centro do parque que deve esconder belezas singulares. Infelizmente o tempo disponível não me permitia sequer cogitar explorar esta direção. Que pena!

Dormir na barraca numa temperatura em torno de zero grau utilizando um fino colchonete sobre o piso cheio de pedras e dentro de um saco de dormir enquanto a barraca sacudia sem parar com o vento, não foi problema algum. Depois daquela imagem que eu tinha acabado de ver acho que eu dormiria até mesmo ao relento sonhando com tudo aquilo.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Puerto Natales

No dia 09 de janeiro deixamos o a capital mundial do treking e do vento p/ trás e rumamos p/ El Calafate, e já na manhã do dia seguinte estávamos todos em outro ônibus que partia de El Calafate pontualmente as 8h00 com destino a Puerto Natales no Chile. Depois de alguns quilômetros de asfalto o ônibus entrou por uma estrada de rípio numa reta sem fim que parecia nos conduzir até o infinito. Intermináveis quatro ou cinco horas depois chegamos em Puerto Natales e descobrimos outra cidade ao lado de outro belíssimo lago, mas desta vez a cidade estava ainda mais próxima, e apesar do sol que brilhava o vento que vinha deste lago era muito frio. Talvez eu seja repetitivo descrevendo o vento que nos perseguiu por praticamente toda a viajem, mas acontece que era impossível esquecer ou se acostumar com este vento que não nos dava trégua. A cidade é muito simples e pobre, mas guarda seu charme interiorano. Atrás do lago algumas elevações montanhosas alcançavam as nuvens e sua beleza era tanta que eu julgava ser ali Torres Del Paine.

Corremos a cidade em busca de todos acessórios que precisávamos, e fomos encontrar tudo na famosa Casa Cecília de Puerto Natales todo o suporte que precisávamos para nossa empreitada pelo Parque Torres Del Paine com uma galera muito simpática e ponta firme, bem diferente da maioria dos profissionais de turismo que estão sempre empenhados em te esfolar até o ultimo tostão enquanto sorriem como hienas revirando o lixo. Dá para se ver que não curto muito a galera que trabalha com turismo. :)

Por outro lado, todo meu desprezo pelos profissionais de turismo as vezes me custa caro, meste caso apesar de toda minha pesquisa e planejamento o cronograma da viagem não era compatível com a disponibilidade dos ônibus para voltar do parque para a cidade de Puerto Natales e nem tão pouco para seguir de volta para El Calafate. Por conta disto fomos obrigados a reduzir em 1 dia o tempo no parque, tempo este que nos custou caro para percorrer o circuito W.

No dia seguinte partimos para Torres Del Paine em dois casais levando duas barracas, colchonetes e sacos de dormir, tudo alugado na Casa Cecília, e mais nossas roupas. Cada um carregou uma mochila de aproximadamente 18 kg, o que se revelou depois de algumas horas de caminhada demasiado para nossa pretensões de viajantes.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

El Chalten


Era manhã do dia 6 de janeiro, um domingão que prometia ser de sol, e já estávamos na rodoviária p/ pegar um ônibus para El Chalten. A grande expectativa par ver paisagens totalmente incomuns foi dando espaço a visão de um imenso planalto de plantas rasteiras em meio a muita areia e pedras. O dia ainda era claro e ensolarado, mas com a aproximação da cidade ao mesmo tempo em que surgiam ao fundo grandes cerros o tempo também mudava rapidamente. Logo ao chegar fomos recebidos na entrada da cidade por um guarda parques, que nos deu várias dicas sobre treking, sobre as trilhas, e principalmente sobre as rápidas variações climáticas, coisa que pudemos comprovar na pele.

A cidade de El Chalten é minúscula e nos dias que estivemos por ali fomos impiedosamente castigados por um vento gelado e muita garoa cuja umidade parecia se infiltrar pelos poros do corpo até atingir os ossos, e tudo isto acontecendo em pleno verão. Nosso tempo na cidade era curto então tínhamos de aproveitar cada minuto com toda sabedoria. Rapidamente preparamos mochilas e agasalhos p/ uma caminhada que deveria durar 4 horas rumo a Laguna e Glaciar Torre. Não tenho certeza mas penso que foram muito mais de 4 horas de caminhada debaixo de sol, chuva, vento, calor, garoa, frio, enfim todas as possibilidades climáticas variando sucessivamente.

Ao chegar vimos uma grande quantidade de gelo incrustada nas bases de um punhado de montanhas e rodeado por um grande lago onde pedaços de gelo flutuavam para formar uma paisagem desoladora, mas ao mesmo tempo hipnótica. Busquei um outro ângulo para ver tudo aquilo mais de perto, mas estava cansado e era tarde o bastante para começar a se preocupar em percorrer o caminho de volta antes de a noite chegar. E assim fiquei ali, por algum tempo olhando para aquilo tudo e imaginando o quanto aquela paisagem deveria mudar no decorrer de um ano. Pensava em como deveria ser o inverno, as nevascas, o inicio do degelo, e principalmente como deveria ser a vida naquele ambiente tão hostil. A paisagem era viva e estava em movimento constante, bem diferente das singelas paisagens tropicais pintadas em tantos quadros. Nosso planeta esta realmente vivo e nós somos apenas mais uma espécie entre tantas mas com uma incrivel capacidade de destruir quase tudo por onde passa graças a sua arrogância. É difícil acreditar que nosso destino como espécie será diferente da dos dinossauros.

No dia seguinte foi tempo de provar nosso entusiasmo e resistência no que se tornou um longo e molhado dia de caminhada. Acordamos cedinho e seguimos rumo a Laguna Piedras Brancas subindo por uma trilha de onde se podia ver a cidade toda rodeada por rios, lagos e cercada por altas montanhas que formam um imenso corredor de vento. Em alguns pontos desta trilha era muito difícil se equilibrar dada a força do vento.

Caminhamos até a Laguna Capri, onde já começamos a perceber que o tempo ia mudar. Talvez por conta disto a visão já era prejudica e pouca coisa legal se podia ver. Seguimos firmes em direção ao Cerro Fitz Roy mas quando estávamos nas proximidades do camping Poincenot a coisa piorou. Uma forte chuva começou a cair e mesmo com todos os acessórios p/ chuva a sensação que sentíamos não era nada agradável. Resolvemos nos abrigar, comer alguma coisa enquanto torcíamos para ao menos a intensidade da chuva diminuir, mas se abrigar onde? Tentamos nos proteger debaixo das arvores, mas isto não ajudava muito. Em pé, debaixo de um tronco inclinado de uma arvore minha mulher e eu dividimos um sanduíche de salame com queijo numa refeição muito rápida p/ não ensopar totalmente o sanduíche. Terminado o almoço prevaleceu a vontade do mais amigo mais teimoso e valente e seguimos todos debaixo de chuva rumo ao Glaciar Piedras Blancas. Depois de mais uma hora de caminhada debaixo de chuva desistimos porque a chuva não passava e estávamos totalmente desorientados em trilhas que já pareciam nos levar a lugar algum. Infelizmente não nos foi concedido o privilégio de avistar a grande vedete: Mr. Fitz Roy.

No dia seguinte, o sol brilhava mas o vento era ainda mais frio e mais forte, e ainda estávamos todos cansados e bastante mal humorados com o fracasso do dia anterior, então decidimos abrir mão da caminhada no último dia de El Chanten. Para mim isto foi muito frustrante, mas por outro lado foi ótimo passar o dia seco, abrigado do frio e bebendo vinho na companhia dos amigos.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Chegando em El Calafate


Somos viajantes. Adorei este definição que Bertolucci utilizou em um de seus filmes para diferenciá-los de meros turistas. O viajante interage com os lugares por onde passa enquanto o turista se põe atrás de imensas janelas onde o ambiente é climatizado filmando e fotografando tudo de maneira voraz.

No primeiro dia das férias os pretensiosos candidatos a viajantes partiram de São Paulo rumo a Patagônia. Nosso objetivo era explorar o sul da Argentina e Chile, começando por El Calafate, passando depois por El Chalten, rumando ao Chile em direção a Puerto Natales e o parque nacional de Torres Del Paine e por fim saindo da Patagônia, fazer uma ligeira visita a capital portenha, Buenos Aires, antes de regressar a São Paulo. Foi uma viagem e tanto na companhia de bons amigos, e cujas emoções que consegui registrar durante a viagem tento reproduzi-las aqui neste espaço.

Ao chegar a El Calafate ao final daquele dia, após enfrentar dois vôos consecutivos tive a sensação de que estava na lua. Obviamente nunca estive na lua, mas minha imaginação me permite acreditar que ela deve ter muitas semelhanças com aquele lugar. O avião desceu numa apertada pista de pouso ao lado de um grande lago de um azul hipnotizante. Imaginei como poderiam ter permitido construir um aeroporto num pedaço de terra tão belo. O vento era intenso e muito frio tanto que mesmo antes de chegar ao hotel quase todas as malas já tinham sido abertas a procura de agasalhos.

Já passava das 21h00 e das janelas do hotel ainda víamos o céu amarelado pelo sol que no horizonte parecia começar a se preparar para se por. O céu parecia uma imensa tela azul sobre a qual a luz do sol em crespusculo espalhava todas as cores possíveis seguindo a inspiração de um artista muito ousado.